terça-feira, 31 de maio de 2011

SAUDADE DO SOL

 

 

  SAUDADE DO SOL

Alinor Rodrigues

                    Era madrugada, quatro horas mais ou menos, as nuvens vagando sob a luz do luar

         Formavam sombras que passavam como fantasmas em ondas desaparecendo velozmente

         Na imensidão.

Vindo da boemia já com os olhos ardendo, fixo o olhar para um vulto e logo ali está; sentada ao relento com o rosto descansando sobre os joelhos e as mãos cruzadas ao baixo ventre uma mulher. A folhagem da arvore sob a qual se encontrava a protegia, era seu manto, mas o gelado vento sul, era um açoite... Meus sapatos de solado espanhol com salto de couro batido faziam meu andar estridente, ao pisar na calçada, cada passo dado era um estalo. Percebendo minha aproximação, lentamente vai levantando o rosto com um olhar sonolento, vago, e com total desinteresse; ao pescoço uma fina corrente dourada e um crucifixo como pingente.

Aproximei-me dirigindo um olá, tudo bem? Ela resolveu se por em pé pretendendo recompor suas vestes; Tinha quase minha altura, tez clara, cabelos longos e bem tratados, corpo de porte esbelto. Ao ver tudo aquilo fingindo não prestar atenção pensei: Que desperdício!... Achei aquela situação um tanto surrealista... Mas em fim ouvi sua voz: - Por que você quer saber? – E eu surpreso; saber o que? – ela respondeu: Você não me falou, olá tudo bem? – Ah, é que vi você aí, sozinha, pensei que talvez não tivesse se sentindo bem... Você já pensou no perigo que corre ao perambular sozinha pelas ruas no meio da noite? – Perigo nada; tenho andado sol ita por muitas noites; aparece alguém de vez em quando como você apareceu agora, mas nem sempre dou sorte... – Que quer dizer com isso? – Nada que possa valer a pena, apenas ando meio desanimada, foi bom você aparecer; eu já estava com saudades do amanhecer! – Como poderia sentir saudades de algo que ainda não aconteceu? – Senti sim; quando se está só, ao sabor do sereno, a gente torce para que amanheça logo, daí, cada minuto é interminável, e a noite fica eterna... – Eu entendo você! – Que bom você é do bem, por acaso és padre, pastor ou algo assim? – Nada disso! Um religioso não estaria aqui á essas horas! – Engana-se, já vi alguns circulando na noite a procura de drogados e outros infelizes, e não raras vezes eles conseguem. Mas esses abnegados também correm risco. Numa noite dessas assisti uma cena que no teatro seria hilária, mas infelizmente foi no palco da vida; A altas horas, circulava um sujeito pela rua, solitário, mal trajado, barba por fazer e com cara de maus bofes. O padre aproximou-se do indivíduo creio que pensando: Vou recolher essa ovelha desgarrada para o meu rebanho! Ao chegar junto, sua "ovelha" era um ladrão que em cima foi logo exibindo uma adaga que reluzia ao clarão da iluminação pública. Foi uma ação rápida e ali estava o padre, sem o relógio, a carteira e seu flash a baterias. E o ladrão simplesmente sumiu... A cidade dormia, continuamos andando e falando baixo, só o estalido dos meus sapatos quebrava o silêncio, até que encontramos um bar com a porta aberta á meia folha, entramos nos acomodando ao redor de uma mesinha tosca e pedimos um drink; A luz do ambiente me possibilitou ver melhor a figura de minha inesperada e recente companhia: Era bonita, e de inteligência nada ordinária!

O tempo vai passando e ela torcendo para que logo o dia se fizesse claro; A lua já havia desaparecido...

Aos poucos vai começando o barulho; É o bocejo do despertar da cidade; Mais alguns momentos e o clarão raiado explode no horizonte, é o Sol por um momento pintando as nuvens de vermelho e iluminando esta face da terra como o faz desde os milênios que nem se tem notícias...

Olhamos contemplativos para o espetáculo quando fiz meu comentário:

Isso tudo é Deus! Só Ele faz; Por amor a tudo o que Ele criou, inclusive nós...

Ela concordou, foi aí que perguntei: Quer que eu a leve para casa? – apesar de nem sequer saber seu endereço – ela não aceitou e quando eu insisti, ela argumentou: - Não precisa se preocupar; com Ele sou dona do meu destino. – Saiu balançando os quadris.

Jamais fiquei sabendo seu nome!...