segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Loura Dos Olhos de Safira e o Punhal

Constantemente ela aparecia pela manhã vindo sabe-se lá de onde.
Quando passava próximo ao Alfeu, ele sentia uma espécie de calafrio, o coração acelerava, e as pernas tremiam.
Como a via seguidamente deduziu que ela residia próximo dali.
Quem seria? Qual o motivo que a levava a andar tão apressada, e sempre sozinha em meio a multidão no torvelinho do cotidiano? Em poucos dias já o coração de Alfeu a via como uma ovelhinha perdida num grande rebanho sem pastoreio. Inspirado, numa certa manhã criou coragem e decidiu: vou desvendar esse enigma! A aproximação foi meio atabalhoada, mas, ele conseguiu. Acompanhou-a por alguns passos e arriscou um olá!.. ela respondeu sem titubeio e com um leve sorriso. Com o coração em turbulência de tanta alegria o projeto de conquistador continuou: Apesar de que ninguém está aqui para nos apresentar, meu nome é Alfeu! A resposta foi: Já sei! – E como que você sabe? – Ora, sou uma mulher, e por motivos óbvios tenho que ter cuidado, há dias observo como me olhas e também já sei quem você é; Educado e cavalheiro! – Obrigado... Sempre a vejo sozinha, seria indelicado perguntar se vives com seus pais ou alguém? Sem muita convicção ela apenas foi dizendo que era uma longa historia e que isso não era assunto para aquele momento. A esperança dele foi imediata; - Quer dizer então que voltaremos a conversar? – Voltaremos sim, agora tenho de ir, não posso me atrasar para o trabalho. E onde fica? Perguntou ele. – É logo ali naquele prédio cinza e branco, naquela multinacional! – E qual é sua função? – Sou intérprete! – Hã; e como é seu nome? – Eu sou Vi, deu um tchau e sumiu prédio à dentro.
O encontro do dia seguinte foi bem mais descontraído, mas a confiança ainda não era total; pairava no ar um ponto de interrogação... Alfeu nada tinha a esconder como nada a revelar. Um cara simples, acabára apenas o segundo grau nos estudos e ainda indeciso quanto a faculdade; classe média, bom trabalho, alguns bens e qualidade de vida razoável. Muito boa aparência, mas nunca ligou pra isso devido sua timidez. Alfeu é tímido, mas não é bobo. Numa tarde de sexta feira resolveu esperá-la no final do expediente, pegou o carro e saiu com esse propósito. Estacionou um pouco distante do prédio porque em frente não havia vaga. Esperou por alguns minutos quando uma figura apareceu descendo as escadarias que dão acesso á calçada; andando despreocupada Vi nem percebeu que Alfeu a esperava, e foi nesse momento que ele descobriu o porquê do ímpeto em encontrá-la: Linda, elegante, corpo perfeito, pele morena clara e aveludada, cabelos louros e longos esvoaçando ao vento da tarde. Apesar da aglomeração de gente pela calçada ele não via mais ninguém, foi o momento mais longo e estranho de sua vida. Cada passo, cada movimento feito por ela, era gravado em sua retina para nunca mais esquecer. Ao avistar Alfeu que a esperava, correu a abraçá-lo com os olhos brilhando de alegria.
Foi aí que ele notou um detalhe que ainda não tinha percebido: aqueles olhos azuis, azuis como a safira, adornando aquele rosto lindo que assim ficou com o sorriso ainda mais insinuante.
Vamos! Vou levá-la para casa. – Ótimo, obrigada. Entrou no carro dando-lhe um longo beijo.
Durante o percurso passando em frente a um prédio disse ele: aqui é que eu moro! Ela emendou: - Eu sei; décimo andar... Alfeu estava tão inebriado que nem notou para esse detalhe, apenas continuou; e agora qual é o caminho? Ela foi indicando: - Siga em frente na quarta esquina vire á direita; chegando ao local indicado após virar á direita; agora na segunda esquina temos que virar á esquerda é no numero 883. Parando no tal endereço, conversaram por alguns minutos e ela despedindo-se e agradeceu com um beijo. Alfeu queria continuar o diálogo, mas veio a desculpa dizendo-se cansada e ansiosa por um bom banho. Mesmo assim ele a acompanhou até o saguão. Voltou para o carro meio sem graça, pois viu cair por terra seu intento em saber mais a respeito da intrigante mulher que tanto o fascinou e nem sequer convido-o a entrar.
Como em todas as circunstâncias da vida o melhor conselho é a paciência, resolveu dar um tempo ás suas angustias. A estratégia deu certo. Dias depois ela é que sentia a falta de seu paquera...  Por onde andaria? O que teria acontecido? Com certeza já estaria com outra, pensava.  E pra sua surpresa começou a sentir ciúmes, mas ponderou: Isso não pode estar acontecendo comigo. Logo eu que já estou com calos nos pés de tanto chutar marmanjo!
Alfeu procurava vê-la de longe, evitando ser visto, chegou a perceber que sua musa demonstrava  certa tristeza, andava de cabeça baixa, não mais com aqueles passos firmes e elegantes de tempos atrás. Na semana seguinte, temendo maiores sofrimentos para ambos porque a paciência também tem limites decidiu dar um fim no problema...
De repente, lá está Vi, sozinha, parada no farol. Alfeu deixa o carro estacionado e sai correndo para encontrá-la, nem consegue pensar no que dizer, se encontram num abraço frenético, ele apenas imagina: que linda você está; tenho ciúme desse vento beijando teu corpo, teu rosto, acariciando teus cabelos, como eu te quero!.. O encontro na rua foi um escândalo que mais não é necessário dizer.
Com muito carinho se abraçam e ele falando em sussurros: Meu amor, minha vida. Ela então replica: - Tua vida? Então você já sabe o meu nome completo? Ele apenas pergunta; - Por quê? – Porque esse é o meu nome, Vida! Vi é como sou chamada por minhas amigas. – Alfeu pensa: - Agora teu nome tem duplo sentido: Vida é a minha Vida!..
O namoro continua, a intimidade cada vez mais profunda. Alfeu já freqüenta a casa de sua Vi com liberdade, apesar disso, ela, pelo fato de morar sozinha é uma garota precavida, detalhe que seu namorado ignora.
Certa vez, ela distraidamente abriu a bolsa na presença de Alfeu que sem querer percebeu haver no interior da mesma um objeto que devido a seu formato não parecia com batom, pente, lixa de unha etc. Éra um lindo estojinho de couro fino e delgado. Curioso mas educado não perguntou de que se tratava. Ela, que é esperta, sentiu a curiosidade, fechou imediatamente a bolsa e comentou brincando: É um chocolate. Ele fingiu entender mas, sabia, não era chocolate...

Dias depois, Alfeu foi buscá-la para irem ao cinema, quando chegou, ela ainda se arrumava e no momento, trocava de bolsa passando o conteúdo de uma para outra; Aí foi que ele viu; O chocolate, era um belo punhal, daqueles cuja lâmina é embutida no cabo. Levou um susto mas fingiu nada ter visto. Depois vêm as dúvidas; Será que conheço verdadeiramente essa mulher, tão meiga, inteligente, e tão querida? Que motivo teria para conduzir uma arma? E logo lhe vem à lembrança um crime ainda não esclarecido acontecido tempos atrás na cidade: Um homem foi assassinado a faca, e dizem que por uma amante misteriosa, dado que a vítima era pessoa influente na sociedade.
No começo é apenas receio, mas a dúvida vai piorando, vai ficando mais forte até se transformar em pânico. Pra completar, Vida tem um belo exemplar de gato angorá, preto, chamado Jack! Aí ele associa o nome do bichano com Jack o estripador.
Num pesadelo, ela o atacou, ele viu aquela lâmina reluzente penetrar seu coração, o sangue jorrava... A situação se tornou insuportável, até que ele decidiu deixá-la. Com o coração dilacerado, começa afastar-se de sua amada. Ela assustada quer saber do que se trata, mas não consegue. Ele não tem argumentos convincentes; Apenas que ainda não está preparado para o compromisso, precisa de tempo. Não dá certo; Receios, incertezas, despedidas, amor, lágrimas rolam de ambos os lados; É o fim! Alfeu fica só, remoendo suas saudades.
Vida, moça vivida e inteligente, sabe que viver é seguir em frente...
Como antes pertencera ao elenco do teatro amador de sua faculdade resolve voltar representando a peça na qual usa o punhal que tanto apavorou o seu amado e que  nunca soube ser o vilão do fim de seu romance... O punhal, era de plástico!...